Barcelona é uma cidade avant-garde. Moderna até não poder mais. E mais: ela já é assim moderna há muito tempo. A Casa Milà, obra estonteante do arquiteto catalão Gaudí, está no número 92 do Passeig de Gràcia há 100 anos. A sem-palavras-para-descrever igreja Sagrada Família começou a ser erguida em 1882. Obras mais contemporâneas, como o mega peixe em aço de Frank Gehry, na praia, também estão ali. Mas não é só pelas obras não. É pelo jeito de ser. É rica, ativa, acelerada, mas ao mesmo tempo guarda ruazinhas históricas, preciosas (mas que eventualmente contam com uma filial da Starbucks). É daquele tipo de cidade que podia estar em qualquer lugar do mundo. Passei uma semana inesquecível na cidade. E faltaram dias. A cidade tem uma quantidade absurda de bairros para se perder, bares, restaurantes, museus, teatros, centros de compras. Me sentei num bar ao lado do mediterrâneo, bebendo uma cerveja com a brisa do mar batendo no rosto. Tomei sucos coloridos e saborosíssimos no Mercado da Boquería. Tive um dos melhores almoços da minha vida no Cheese Me, um restaurante que incorpora o queijo em todos os pratos, da entrada à sobremesa. Fui ao Museu Picasso, e vi que no começo do ofício Picasso pintava diferente. Na adorável Calle Verdi, fui ao cinema e depois comi um gofre (waffle, para nós) de Nutella delicioso. Comprei (:D) coisinhas de design fofas. Ainda sinto a sensação de passar as mãos pelo mosaico de azulejos da salamandra de Gaudí no Parc Guell. Comi um arroz do mar típico da Catalunha, com tinta negra e muitas, muitas gambas (camarões). Vi o Messi brilhando no Camp Nou, mas também concluí que torcida que vibra como a do Brasil não tem. Espero voltar no verão. 

Ah, em Barcelona não tem siesta. Mais uma prova da sua modernidade.   

Dia desses ouvi de alguém: Barcelona é Catalunha, Madri é Espanha. Foi a melhor definição sobre Barcelona que consegui encontrar até o momento. Digo isso porque, vivendo em Madri há mais de três meses, já dá para começar a ter uma ideia de Madri e suas espanholices. Daí embarquei para Barcelona para uma semana “barceloneta”. E vi que de Espanha eu não sabia nada, ou pelo menos da Catalunha, que é uma das regiões mais vivas da Espanha. Para começar, em Barcelona eles falam outra língua, o catalão, uma derivação do latim, assim como o português, o francês e o espanhol. Ouvindo, se parecia com o italiano. Nas placas, uma olhadela rápida lembrava o francês. “Sortida”, por exemplo, é saída em catalão. Muito perto do francês, “sortie”. Na verdade, se você juntar sortie com salida, encontra o sortida. Enfim, é uma miscelânea toda. E a língua é a alma da cidade. Ela está em todas as placas, anúncios, cardápios. Em restaurantes, o dono que não tiver cardápio, nota fiscal e folhetos publicitários em catalão pode ser multado em três mil euros (em janeiro quiseram endurecer a lei e subir a multa para 10 mil euros). Quer saber quem é madrilenho e quem é catalão? Peça para que os dois escrevam num papel Catalunha. O que escrever “Cataluña” é um madrilenho típico. O que colocar “Catalunya” é catalão. E a língua diferente é só o começo (conto mais sobre Barcelona no próximo post). Madri e Barcelona são rivais em muitas outras coisas.

Os meus últimos 10 anos antes de Madri foram vividos em São Paulo, capital. E eu lembro direitinho o primeiro dia que “vivi” em Sampa. Digo vivi porque antes eu já tinha visitado a cidade como turista, com minha família ou com amigos. O dia que cheguei à USP para fazer minha matrícula para a faculdade de jornalismo foi o meu primeiro dia de verdade em São Paulo. E, desde aquele dia, um aspecto nada positivo da cidade fez parte da minha vida: o trânsito. Eu lembro que entrei num ônibus rumo à estação de metrô Clínicas. “É perto, moço?”, perguntei ao motorista. Ele deu uma resposta que só depois percebi que seria um mantra para os paulistanos. “Perto é, mas vai depender do trânsito”. Chovia, era hora do rush, e foram quase duas horas de “viagem” (sem transito, são 10 minutos). Nos últimos 10 anos, eu já passei muitas horas, muitas mesmo, no trânsito de São Paulo. Nesse tempo, aprendi a usar “horários alternativos”, comprei um smartphone, li algumas dezenas de livros e ouvi muita, muita música.

De repente, Madri. Ruas sempre normais, com um fluxo de carros normal, sem buzina, sem notícia de congestionamento. Ah, e sem alagamento. Notícias do tipo: “Madrid tiene ahora 108 kilómetros de atascos” só existem na minha imaginação. Aqui, o ponto de ônibus tem um painel eletrônico que avisa em quanto tempo o ônibus chegará. E o mais louco é que o ônibus chega mesmo. Nas ruas, só os semáforos e as faixas de pedestre freiam os carros, ônibus e as –poucas- motocicletas. A cidade flui, e tanto faz se são 8h da manhã ou da noite. 

O melhor de morar na Europa é que eu finalmente posso ser “sustentável”. Na marra. Digo isso porque quem me conhece sabe que eu nunca fui lá exemplo de “sustentabilidade”. Em São Paulo, eu compro muito, adoro embalagens, prefiro o tomate e o morango não-orgânicos, não reciclo meu lixo, adoro um passeio de carro (ainda que ande de ônibus) e acho um porre ter que caminhar com 3 sacolas feias de algodão cru (geralmente brinde de alguma empresa) para levar no Pão de Açúcar da Teodoro. Eu sei, é um comportamento patético o meu. Mas estou vivendo minha redenção. Eu estou na Europa! E, para o bem e para o mal, agora sou sustentável! Seguem alguns exemplos do meu novo dia-a-dia (quem sabe agora eu possa ser perdoada e entrar para a lista de jornalistas sustentáveis da Natura, e ser convidada para todos os seus eventos –sustentáveis!):

1) LIXO: nenhum prédio em Madri tem alguém que retire o seu lixo do corredor. É preciso levá-lo até as lixeiras dispostas na sua rua, em três tipos de lixeiras separadas para lixo normal, lixo de papelão e plástico e lixo de vidro. O lixo normal tem que estar em sacolas azuis. O de papelão e plástico em sacos amarelos. Só o vidro pode ser colocado sem sacola (todas essas sacolas são facilmente encontradas nos supermercados). Ah, e há um horário para o depósito de lixo: noite. Se levar antes, o prédio é multado. Se errar ou trocar os saquinhos, também.

2) SUPERMERCADO: você achava que aqui todos usam as sacolas sustentáveis porque se preocupavam com o meio ambiente? Não sei. Pode ser por isso ou porque elas são pagas! No Día elas custam 5 centavos. No Carrefour o preço varia dependendo do modelo. Na FNAC custam 1 euro. Só no Corte Inglés elas são grátis. Então ficou lindo o passeio com as sacolas de pano. Mas comprei uma linda, toda colorida.

3) CARRO: bom, é fácil abrir mão dele quando o sistema de transportes é perfeito. E, pensando bem, eu também reciclaria o lixo se fosse tudo tão organizado como aqui (no meu prédio em Sampa não passam recolhendo) e se cobrassem pela sacolinha eu não comprava!

4) COMPRAS: continuo adorando embalagens e comprando muito, mas nunca mais estragou nada na minha geladeira, porque aqui é tudo caro.

P.s.: as aspas em sustentável são porque eu realmente não sei se nada disso é exemplo de sustentabilidade.

Pois é, eu sabia que esse dia ia chegar. O do preconceito barato. E chegou. Bem, não foi comigo, foi com uma querida amiga minha brazuca, que como eu também vive aqui em Madri. Explico. Num bate-papo com uma portuguesa, ela ouviu:

Portuga: Nós sabemos que para vocês no Brasil todos os portugueses são padeiros, pois saiba que para nós todas as brasileiras são putas.

Quando ela me contou, eu fiquei pensando na tristeza dos estereótipos. Não sei da onde surgem exatamente, mas são uma lástima. As mulheres brasileiras são muito mais do que isso – ai, nem vou entrar nesse mérito. O fato é que essa percepção infelizmente é bem viva mundo afora, especialmente nas culturas machistas. Como somos patéticos quando buscamos um estereótipo para uma situação. Para mim, na verdade é a forma mais barata de defesa perante uma situação desconhecida, que dá medo. Nesse caso, o povo brasileiro. Que, como não conhecem o bastante, partem para o caminho wikipedia. Mas o incômodo é ouvir isso num território distante, ao redor de pessoas que, medo, talvez achem isso mesmo das brasileiras. Amanhã pode ser eu. E aí? Como se defender desse preconceito barato? Sabe o que foi mais triste, para mim? Que o comentário partiu de uma pessoa de Portugal, nossa pátria-mãe, que leu os mesmos livros de Eça de Queiroz, canta nossas canções, assiste às nossas novelas, entre outras similaridades. A minha amiga, por sorte, é muito linda, e levou isso numa boa, rindo da situação e tendo pena da pessoa. O que você acha disso?

Croquetas

13/04/2010

Não tem coxinha em Madri. Nem risoles e empadinha. Mas há croquetas. Croquetas de jamón ibérico, de pollo, de atún. Ai, e são uma loucura de tão boas. A massa é cremosa e se parece com um misto de creme de queijo com a massa da coxinha, que ganha ainda os “sabores” como o jamón, tudo bem misturado. Isso tudo, claro, frito, então ainda tem aquela casquinha crujiente, crocante. Toda vez que como croquetas fico tentando “entender” o que é essa maravilha. Eu arriscaria afirmar que as croquetas estão em todos os cardápios de bar da Espanha. Umas são de comer rezando de tão saborosas, outras nem tanto. No Carrefour, tem um freezer inteiro só para vender croquetas congeladas, para fazer em casa. Posso dizer que até agora as croquetas que mais me fascinaram foram as da Cervecería San Andrés, no bairro boêmio de La Latina. Chegaram quentinhas, recém-fritas, e o recheio era de um sabor absurdo. A porção geralmente tem 8 croquetas, e custa 8 euros. 

Morar na Espanha é se deparar o tempo todo com uma loja de departamentos “El Corte Inglés”. E quando eu digo o tempo todo, é o tempo todo mesmo: em Madri, tem por todo lado. Em Granada, Barcelona, Valência e Sevilha também tem. São várias lojas. Bom, e daí que quando eu morava no Brasil, eu me lembro da primeira vez que ouvi falar da loja. Foi quando um amigo viajou para Barcelona e voltou encantado e cheio de compras de lá: “Tati, a loja é incrível, são andares e mais andares de coisas maravilhosas!”. Depois, já no jornalismo econômico, lembro de ler os números da rede, a sua importância e tal. Nos guias de viagem como Lonely Planet e tal, dizem: “the expensive retail chain”. Já na Espanha, tudo o que eu queria era conhecer a loja, para poder opinar eu mesma. Não foi difícil. Nas minhas primeiras horas em Madri, fomos almoçar na Praça Sol, a mais famosa da cidade, e lá estava ela, imponente, grande e aberta! Depois do almoço, corri para lá. E faço isso TODA semana desde então. E não é porque eu sou aficionada por compras, mas é porque a loja tem algumas utilidades.

  1. Não, eu não gostei das roupas femininas vendidas ali. A configuração da loja é careta, as atendentes são velhas e -caretas- e os preços são altos, porque eles trabalham quase sempre com marcas caras, como Burberry, Levi’s, Desigual. Você caminha por um andar dividido por área das marcas, e se quer provar roda até achar algum provador. E as roupas então não são exclusivas. E os preços são caros, não há pechinchas. Então se eu quero uma roupa da Desigual, vou até a loja deles, certo?
  2. Visual Tio. Total. No andar masculino, são um absurdo de pólos, calças beges, pulôver (argh). Não dá.
  3. O andar de criança eu não olhei, confesso.
  4. Ponto alto: as lojinhas de cosméticos, perfumes e afins. Dá para achar todas as marcas: Lancôme, Guerlain, MAC, Clinique, La Prairie e mais muitas. E o preço é quase sempre tabelado aqui na Europa, então compensa o passeio, porque ali você prova todas juntas. Até a Sephora tem um estande. E, às vezes, rolam uns descontos.
  5. A livraria é ok, mas vaziazinha. Não gostei. Eu estava acostumada com a Livraria Cultura da Paulista, e essa não chega nem perto. Chata, previsível. Tem uma rede aqui que dá balde nessa. Até a FNAC aqui é ótima.
  6. O setor de cama, mesa e banho é para a casa da sua mãe, ou da sua vovó. É tudo extremamente formal, sem graça (ai, desculpa se sua mamá é modernete, é só modo de dizer). Sim, tem algumas opções modernas de algumas peças, mas quase nada. E, claro, um lençol branco sempre vai ser básico, e isso eles têm. Mas a IKEA fica a poucos quilômetros. E dá um banho em design!
  7. Então porque eu vou lá toda semana? Pelo supermercado. Ai, é um sonho de bom. E não é tão caro, comparado com os outros todos. E a variedade para mim é imbatível: tem farinha pão da Venezuela (a minha roommate venezuelana diz que é super raro, e lá tem!), tem molho de pimenta mexicano, tem muuuitos queijos franceses, salsichas alemãs e mamão, limão e goiaba do Brasil! Tem de tudo tudo. Sabe quando você quer uma comida gostosa para a noite? É lá que eu passo.
  8. Conclusão após 2 meses de visitas: não é a minha loja, mas é o que tá tendo. Na falta de uma Duane Reade do lado de casa, ela cumpre o papel de ponto para provar maquiagem. E o supermercado é gostoso, é o mais interessante por aqui. Mas, no geral, é uma loja para as avós levarem seus netos para passear. Não é moderna, tá sempre cheia de velhinhos falando com as atendentes. Velhinhos na fila. Velhinhos provando roupas. Velhinhos levando seus carrinhos sustentáveis para comprar.

A mulher espanhola

07/04/2010

A mulher espanhola tem um nariz grande e anguloso, que marca o seu rosto como nunca. Tem sobrancelhas expressivas e boca grande.  Algumas usam o cabelo viçoso enrolado lá em cima da cabeça, num coque aéreo, outras deixam que as longas madeixas escorram sobre o corpo. Os olhos invariavelmente são castanhos, fortes, vivos, ainda mais quando são realçados pela maquiagem. E quanta maquiagem. Nos olhos, tudo é permitido. Eles são quase sempre negros, com rímel negro, lápis preto, sombra…negra! Os lábios são coloridos, e as maças do rosto marcadas com blush. No pescoço, avolumam-se colares e xale, quando não um laçarote de fita desses de desenho. A roupa é discreta, pouco decote. É como se elas soubessem que a elegância que emana naturalmente da sua magreza não tivesse nada a ver com um decotón de novela venezuelana. Ela não é gostosa, no sentido latino da palavra. Ela é elegante, no sentido mais europeu, e o consegue ser com um all-star, uma meia calça preta toda velha, um shorts jeans, uma camiseta de algodão e um tricô. Algumas usam um blazer tamanho G, com as mangas dobradas (o tipo de coisa impensável em qualquer outro tipo de mulher, tamanho o risco de ficar brega), outras marcam a cintura com uma daquelas saias de filme, de cintura alta e toda pegada ao corpo, e a sofisticação só aumenta.  Ela fuma, quase sempre. E bebe vinho, bebe cerveja, adora um coquetel, e come tapas, tudo de uma forma tão natural que realmente se percebe que a magreza só pode ser espontânea.  Anda com elegância, mas poucas correm na academia (praga que por aqui é rara…). A mulher espanhola é natural, é autêntica, e por isso é bonita.

Ir de tapas

05/04/2010

Ir de tapas é parte da vida espanhola, eu li e escutei muito antes de me mudar para a Espanha. É assim: você chega a um bar, e pede uma tapa, que nada mais é do que uma porção pequena de alguma comida. O que ninguém me avisou é que dentro desse conceito simples, há um zilhão de variáveis. Primeiro porque em alguns lugares a tapa é grátis, basta pedir um trago de bebida e, tcharãã, lá vem o garçom com um pratinho pequeno com alguma coisa. Pode ser só algumas azeitonas, ou um pouco de batatas fritas daquelas prontas, ou, se você tiver sorte, uma asinha de frango frita com algumas batatas fritas saborosíssimas. Isso das tapas grátis é mais comum em Granada, berço da tradição, mas você encontra também em Madri, em bares como o El Tigre, aonde um chopp de 2 euros vem com um pratinho que vem uma croqueta de jamón, umas torradinhas com queijo e até um franguinho. Quando é paga, porém, a tapa pode se transformar em qualquer comida, de preferência para acompanhar um bom vinho ou uma cervejinha (Mahou, em Madri, Estrella em Barcelona, Alhambra em Granada). A tapa mais requintada que eu comi até agora foi uma alcachofra recheada com um creme de bacalhau com alho. Vem só uma mesmo, porque é uma porção pequena, lembra? Foi em Granada. Suspirei com o sabor. Mas já experimentei umas de paella, de peixinhos micro fritos, de queijos. Tem um lugar em Madri, o Mercado de San Miguel (foto), que é o meu favorito desde a primeira vez que eu fui. É repleto de banquinhas de…tapas! Tem queijos, jamón, tostadas, pescados. Meu chefe espanhol diz que lá é muito turístico, porque lota mesmo, mas eu sou turista também! E adoro o clima.

Segóvia e o vento

05/04/2010

Venta em Segóvia. E como venta. No fim de semana que estive em Segóvia, ventava muitíssimo. Era um vento tão forte que atrapalhava a caminhada. Mas não tirou nem um pouco a minha alegria de conhecer a cidade. Que é de conto de fadas. Digo isso porque tem um castelo desses de conto de fadas, literalmente. Um castelo pequeno e lindo, lindo. Dizem que Walt Disney inspirou-se nele para criar o castelo da sua princesa. Mas também dizem que foi um castelo lá da Alemanha, o de Walt. Eu não sei, e não conheço o alemão, mas esse segoviano é perfeito. E o entorno do castelo também é de sonho. Você chega ao centrinho da cidade, e dá de cara com o Aqueducto, uma estrutura da época dos romanos, quase toda preservada. Dali, segue caminhando por ruelas com casas medievais, tudo preservado, begezinho, chega à praça principal (com uma igreja linda), segue mais um pouco, e lá, para um grand finale, está o castelo. Depois da visita, corremos para um restaurante que servia o tradicional cochinillo asado, que é o nosso leitão, o mais famoso prato local. Delícia na terra. E, apesar do vento, fazia um sol lindo.